quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sobre o perdão: a incrível história de Buda e o assassino.

Se sua Meditação lhe traz para um estado de nuvem de chuva, você irá perdoar sem nenhum julgamento a partir da sua abundância, do seu amor, da sua compaixão.

De fato, gostaria de declarar que o homem que é indigno merece mais do que aquele que é digno. O homem que não merece, merece mais, porque ele é tão pobre; não seja duro com ele. A vida tem sido difícil para com ele. Ele se perdeu; ele tem sofrido por causa de seus atos errados. Agora não seja duro com ele. Ele precisa de mais amor do que aqueles que são merecedores; ele precisa de mais perdão do que aqueles que são dignos. Essa deve ser a única abordagem de um coração religioso.

Essa questão foi trazida perante Gautama Buda, porque ele ia iniciar um assassino no sannyas – e o assassino não era um assassino comum. Rudolph Hess não é nada comparado a ele. Seu nome era Angulimal. Angulimal significa um homem que usa um colar de dedos humanos.

Ele fez a promessa de que mataria mil pessoas; de cada pessoa ele retiraria um dedo para que ele pudesse lembrar quantos ele havia matado e ele fará um colar de todos esses dedos. No seu colar de dedos ele já tinha novecentos e noventa e nove dedos – só um estava faltando. E esse um estava faltando devido a que sua estrada estava fechada; ninguém passava por esse caminho. Gautama Buda, porém, entrou naquela estrada fechada. O rei tinha colocado guardas na estrada para impedir as pessoas, particularmente estrangeiros que não sabiam que um homem perigoso vivia por trás dos montes. Os guardas contaram a Gautama Buda, “Essa não é uma estrada para ser usada. Você terá que tomar um caminho mais longo, mas é melhor ir um pouco mais longe do que penetrar na boca da própria morte. Esse é o lugar onde Angulimal vive. Até mesmo o rei não tinha coragem de andar por essa estrada. Esse homem é simplesmente louco.

“A mãe dele costumava chegar até ele. Ela era a única pessoa que podia ir, de vez em quando, vê-lo, mas até mesmo ela deixou de ir. A última vez que ela foi lá ele disse a ela, ‘Agora só está faltando um dedo e apenas porque você é minha mãe... quero lhe avisar que se você vier outra vez você não voltará mais. Preciso desesperadamente de um dedo. Até agora não lhe matei porque outras pessoas estavam disponíveis, mas agora ninguém mais passa por essa estrada exceto você. Então quero que você saiba que da próxima vez, se você vir, será sua responsabilidade, não minha’. Desde àquela hora a mãe dele não veio mais”.

Os guardas disseram a Buda, “Não corra desnecessariamente o risco”. E vocês sabem o que Buda disse a eles? “Se eu não for então quem irá? Só duas coisas são possíveis: Ou eu conseguirei mudá-lo, e não posso perder esse desafio; ou irei provê-lo com mais um dedo para que o desejo dele seja realizado. De qualquer maneira irei morrer algum dia. Dar minha cabeça para Angulimal será pelo menos de alguma utilidade; do contrário um dia irei morrer e vocês me colocarão na pira funerária. Acho que assim é melhor para realizar o desejo de alguém e lhe dar paz mental. Ou ele irá me matar ou irei matá-lo, mas esse encontro irá acontecer; vocês apenas mostrem o caminho”.

As pessoas que seguiam Gautama Buda, seus companheiros íntimos que estavam sempre competindo para estar mais próximo dele, começaram a se afastar. Logo havia milhas de distância entre Gautama Buda e seus discípulos. Todos eles queriam ver o que acontecia, mas não queriam estar muito perto.

Angulimal estava sentado sobre sua rocha observando. Ele não podia acreditar em seus olhos. Um homem muito bonito de um carisma tão imenso estava vindo em sua direção. Quem seria este homem? Ele nunca tinha ouvido falar de Gautama Buda, Mas mesmo esse coração duro de Angulimal começou a sentir uma certa ternura para com esse homem. Ele parecia tão belo, vindo na direção dele. Era manhã cedo... Uma brisa fresca, e o sol estava surgindo... E os pássaros estavam cantando e as flores se abriam; e Buda estava chegando cada vez mais perto.

Finalmente Angulimal, com sua espada desembainhada em suas mãos, gritou, “Pare!” Gautama Buda estava a alguns metros de distância, e Angulimal disse, “Não dê outro passo porque então a responsabilidade não será minha. Talvez você não saiba quem sou!”.

Buda disse, “Você sabe quem você é?”.

Angulimal disse, “Isso não tem importância. Esse não é o lugar nem a hora para discutir tais coisas. Sua vida está em perigo!”.

Buda disse, “Penso de outra maneira – sua vida é que está em perigo”.

Esse homem disse, “Eu costumava pensar que era louco – você é simplesmente louco. E você continua chegando mais perto. Assim não diga que matei um homem inocente. Você parece tão inocente e tão bonito que quero que você volte. Encontrarei outra pessoa. Posso esperar; não há nenhuma pressa. Se já consegui novecentos e noventa e nove... é somente mais um, mas não me force a matá-lo”.

Buda disse, “Você está absolutamente cego. Você não pode ver uma simples coisa: Eu não estou me movendo na sua direção, você está se movendo na minha direção”.

Angulimal disse, “Isso é pura maluquice! Qualquer um pode ver que você está vindo e eu estou parado sobre minha rocha. Não me movi nem uma polegada”.

Buda disse, “Bobagem! A verdade é, desde o dia que me tornei iluminado não me movi mais nem uma simples polegada. Estou centrado, totalmente centrado, nenhum movimento. E sua mente está continuamente se movendo em círculos... e você tem a coragem de me mandar parar. Pare você! Eu já parei muito tempo atrás”.

Angulimal disse, “Parece que você é impossível, você é incurável. Você está fadado a ser morto. Irei sentir muito, mas que posso fazer? Nunca tinha visto um homem tão doido”.

Buda chegou muito perto, e as mãos de Angulimal estavam tremendo. O homem era tão belo, tão inocente, tão infantil. Ele já estava apaixonado. Ele matou tanta gente... Ele nunca tinha sentido essa fraqueza; ele nunca tinha conhecido o que é amor. Pela primeira vez ele estava cheio de amor. Assim havia uma contradição: a mão estava segurando uma espada para matar a pessoa, e seu coração estava dizendo, “Ponha a espada de volta na bainha”.

Buda disse, “Estou pronto, mas porque suas mãos estão tremendo? – você é um grande guerreiro, até mesmo os reis temem você, e sou apenas um pobre mendigo. Exceto a tigela de esmolas, não tenho mais nada. Você pode me matar, e me sentirei imensamente satisfeito de que pelo menos minha morte realiza o desejo de alguém; minha vida tem sido útil, minha morte também tem sido útil. Mas antes que você corte minha cabeça tenho um pequeno desejo, e acho que você me concederá um pequeno desejo antes de me matar”.

Diante da morte até mesmo o maior inimigo tem boa vontade de realizar qualquer desejo.

Angulimal disse, “O que você deseja?”

Buda disse, “Quero que você apenas corte da árvore um galho que esteja cheio de flores. Nunca mais verei essas flores novamente; quero ver essas flores bem de perto, sentir a fragrância delas e sua beleza nessa manhã ensolarada, a glória delas”.

Então Angulimal cortou com sua espada todo um galho cheio de flores. E antes que ele pudesse dá-lo a Buda, Buda disse, “Isso era somente metade do desejo; a outra metade é, por favor, ponha o galho de volta na árvore”.

Angulimal disse, “Eu achava desde o começo que você era maluco. Agora este é o desejo mais louco. Como é que posso colocar esse galho de volta?”

Buda disse, “Se você não pode criar, você não tem o direito de destruir. Se você não pode dar vida você não tem o direito de dar morte para nenhuma coisa viva”.

Um momento de silêncio e um momento de transformação... A espada caiu de suas mãos. Angulimal jogou-se aos pés de Gautama Buda e disse, “Não sei quem você é, mas quem quer que seja, leve-me para o mesmo espaço onde você se encontra, me inicie”.

Nesse momento os seguidores de Gautama Buda chegaram cada vez mais perto. Vendo que agora Buda estava de pé na frente de Angulimal, não havia nenhum problema, nenhum receio, embora ele precisasse só de um dedo. Eles ficaram ao redor e quando ele caiu aos pés de Buda eles imediatamente se aproximaram. Alguém levantou a questão, “Não inicie esse homem, ele é um assassino. E ele não é um assassino qualquer; ele assassinou novecentos e noventa e nove pessoas, todos inocentes, todos estrangeiros. Eles não fizeram nada de errado a ele. Ele nunca os tinha visto antes!”

Buda disse novamente, “Se eu não iniciá-lo, quem irá fazê-lo? E amo esse homem, amo sua coragem. E posso ver tremendas possibilidades nele: um simples homem lutando contra o mundo inteiro. Quero esse tipo de pessoa, que pode enfrentar o mundo inteiro com uma espada; agora ele irá enfrentar o mundo com uma consciência que é muito mais afiada do que qualquer espada. Eu lhes disse que um assassinato estava para acontecer, mas não tinha certeza de quem iria ser assassinado – Ou eu iria ser assassinado, ou Angulimal. Agora vocês podem ver que Angulimal foi morto. E quem sou eu para julgar?”

Ele iniciou Angulimal.

A questão não é se alguém merece ou não. A questão é se você possui a consciência, a abundância de amor – assim o perdão irá surgir dele espontaneamente. Isso não é um cálculo, isso não é aritmética.

Vida é amor, e viver uma vida de amor é a única vida religiosa, a única vida de oração, paz, a única vida de gratidão, grandeza, esplendor.



Osho, Extraído de: The Great Pilgrimage: From Here to Here, chapter 24

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